Preconceito contra homens na pesquisa em saúde: a jornada de um pesquisador da ciência do exercício para a saúde dos homens

11 de julho | Escrito por James Nuzzo - O artigo original em inglês está aqui | Traduzido por Rodrigo César Dias para o CMP


Sou um cientista de atividades físicas (AF)
. Desde 2008, sou autor de mais de 50 artigos revisados por pares, principalmente em revistas de ciências de AF. No entanto, dois dos meus artigos mais populares – ambos publicados nos últimos dois anos – têm pouco a ver com AF. Eles são sobre a saúde dos homens.

Em 2017, eu estava trabalhando como pós-doutorando em um instituto de pesquisa em neurociência. Eu havia acabado de terminar meu doutorado, uma época em que a maioria dos artigos que lia eram sobre o tema da minha tese sobre como o cérebro e os nervos se adaptam com o treinamento de força para tornar os músculos mais fortes. No entanto, uma vez que me tornei um pesquisador de pós-doutorado, tive tempo para ler mais amplamente. Assinei feeds RSS3 para vários periódicos de ciência de AF e, pouco depois, um artigo apareceu no meu feed que alterou a trajetória da minha carreira: “Achieving Equity in Physical Activity Participation: ACSM Experience and Next Steps” [Alcançando a equidade na participação na atividade física: experiência da ACSM e próximos passos].

“A justificativa do ACSM para esse foco foi que as mulheres têm taxas de atividade física mais baixas do que os homens por causa da discriminação contra as mulheres que limita seu “acesso a recursos de atividade física”. Achei esse argumento insosso.”

A Faculdade Americana de Medicina do Esporte (American College of Sports Medicine; ACSM) é sem dúvida a organização mais influente de profissionais de AF nos Estados Unidos. Seus membros são formados por acadêmicos e profissionais em áreas como ciência de AF, treinamento pessoal, medicina esportiva e saúde pública. A ACSM influencia os currículos universitários de ciências de AF e suas certificações profissionais são algumas das mais conceituadas no setor de fitness. A revista onde o artigo foi publicado – Medicine and Science in Sports and Exercise (MSSE) [Medicina e Ciência em Esportes e Exercícios] – é a principal revista da ACSM. É uma das revistas mais bem classificadas e historicamente importantes na ciência de AF.

No artigo, os membros do Comitê de Equidade em Saúde do ACSM apresentaram um “roteiro nacional” para alcançar a “equidade em saúde” por meio da “equidade na atividade física”. Por “equidade da atividade física”, o comitê quis dizer alcançar taxas iguais de atividade física entre os grupos demográficos. A lógica por trás de sua abordagem foi que os grupos demográficos que têm os piores resultados de saúde são geralmente os mesmos grupos que têm as menores taxas de atividade física. Como o aumento da atividade física está associado à melhoria da saúde, o ACSM argumentou que a ação pública era necessária para criar taxas iguais de atividade física entre os grupos demográficos, o que, por sua vez, ajudaria a alcançar resultados de saúde iguais entre os grupos. No entanto, a posição do ACSM continha inúmeras falhas teóricas. Primeiro expus essas falhas em uma carta e depois expandi minhas críticas em um artigo completo. Uma das falhas na posição do ACSM é o que me levou à pesquisa em saúde do homem.

"A expectativa de vida dos homens é menor que a das mulheres em todos os países do mundo. Portanto […] aumentar a taxa de atividade física entre meninas e mulheres […] exacerbaria as diferenças sexuais existentes na mortalidade”

No artigo deles, o ACSM afirmou que seu roteiro nacional se concentraria no aumento das taxas de atividade física entre meninas e mulheres, sem menção explícita ao desejo de alcançar o mesmo para meninos e homens. A justificativa do ACSM para esse foco foi que as mulheres têm taxas de atividade física mais baixas do que os homens por causa da discriminação contra as mulheres que limita seu “acesso a recursos de atividade física”. Achei esse argumento insosso. Também fiquei surpreso com a falta de discussão sobre a importância do exercício e da participação esportiva na vida de meninos e homens. Na minha opinião, foi uma omissão tão óbvia que apenas uma ideologia política equivocada poderia estar por trás dela. Além disso, se o objetivo de um roteiro de atividade física é alcançar resultados de saúde iguais entre grupos demográficos, então focar em meninas e mulheres, e não em meninos e homens, faz pouco sentido. Nos Estados Unidos, a expectativa de vida para os homens é 5 anos menor do que para as mulheres. De fato, a expectativa de vida dos homens é menor que a das mulheres em todos os países do mundo. Portanto, se o roteiro do ACSM tiver sucesso em aumentar a taxa de atividade física entre meninas e mulheres e melhorar sua saúde, isso exacerbaria as diferenças sexuais existentes na mortalidade e outros resultados de saúde entre homens e mulheres, que os autores convenientemente nunca mencionaram.

As estatísticas da lacuna de mortalidade formaram a base da minha crítica à justificativa do ACSM de direcionar para mulheres, mas não para homens, o seu “roteiro” de atividade física. No entanto, ao escrever a crítica, eu queria fornecer mais apoio à minha posição. Especificamente, queria citar um artigo de revisão que resumisse os problemas de saúde dos homens de uma maneira baseada em dados e envolvesse comparações de taxas de prevalência de várias condições de saúde física e mental em homens e mulheres. Tive problemas para encontrar um artigo assim. Na minha opinião, isso representava uma lacuna substancial na literatura de saúde pública. Então, em 2020, eu o preenchi.

“Apresentei dados originais que mostram a relativa falta de atenção dada ao campo da saúde do homem. Por exemplo […] o número de periódicos dedicados à saúde da mulher era muito maior do que o número de periódicos dedicados à saúde do homem.”

Acumulei dados sobre taxas de prevalência de condições de saúde física e mental em que os homens têm taxas mais altas do que as mulheres. As condições incluem tudo, desde distúrbios respiratórios do sono até lesões na medula espinhal e suicídio. Além disso, apresentei dados originais que mostram a relativa falta de atenção dada ao campo da saúde do homem. Por exemplo, de 1970 a 2018, a frase “saúde da mulher” apareceu nos títulos ou resumos de 14.501 trabalhos de pesquisa biomédica indexados no banco de dados PubMed. A frase “saúde do homem” apareceu 1.555 vezes. Também descobri que o número de periódicos dedicados à saúde da mulher era muito maior do que o número de periódicos dedicados à saúde do homem. Além disso, destaquei o fato de que nos Estados Unidos não existem escritórios nacionais de saúde dedicados à saúde do homem, mas existem vários escritórios nacionais dedicados à saúde da mulher. Intitulei o artigo “Men’s health in the United States: a national health paradox” [Saúde do homem nos Estados Unidos: um paradoxo da saúde nacional] para apontar a incongruência entre o grande número de problemas de saúde que os homens experimentam versus a pouca atenção que esses problemas recebem.

“Realizei uma análise de conteúdo das fontes da ONU e da OMS. […] quantifiquei quantas contas do Twitter a ONU administra para comunicar os problemas das mulheres (69 contas) versus os problemas dos homens (0 contas).”

Após a publicação, fui contatado por pesquisadores e defensores da saúde masculina que viram valor em meu trabalho. Eles me apresentaram teorias como o viés gama e a lacuna de empatia de gênero. Achei as teorias convincentes. Elas pareciam dar sentido às minhas descobertas e fornecer uma explicação de por que organizações como o ACSM não estão cientes ou optam por ignorar os problemas de saúde dos homens. Essas teorias também pareciam dar sentido a outra observação que fiz nessa época: a falta de atenção dada às questões de meninos e homens no influente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), “Closing the gap in a generation: health equity through action on social determinants” [Fechando a lacuna em uma geração: equidade em saúde por meio da ação sobre os determinantes sociais]. Este relatório, que foi citado milhares de vezes em revistas acadêmicas, inclui um capítulo inteiro sobre “equidade de gênero” que não menciona meninos e homens. Esse aparente preconceito de gênero era consistente com o que eu havia observado no ACSM, e comecei a ver certas conexões ideológicas entre essas várias organizações. Na medida em que tais preconceitos de gênero eram legítimos, achei que alguém deveria documentá-los, principalmente porque os contribuintes apoiam a OMS e sua organização-mãe, a Organização das Nações Unidas (ONU). Eu também pensei que tal documentação deveria ser feita de forma orientada por dados.

Então, no final de 2020, realizei uma análise de conteúdo das fontes da ONU e da OMS. Examinei, por exemplo, quantos relatórios a ONU e a OMS geraram sobre a saúde das mulheres versus a saúde dos homens. Quantifiquei quantos dias de observância a ONU dedicou às questões ou realizações das mulheres (9 dias) versus questões ou realizações dos homens (1 dia). Em outra análise, quantifiquei quantas contas do Twitter a ONU administra para comunicar os problemas das mulheres (69 contas) versus os problemas dos homens (0 contas). Os resultados apontaram para um viés na discussão das questões das mulheres, mas não dos homens, dentro dessas organizações.

“Um revisor anônimo, que rejeitou um artigo no qual eu apresentei evidências […] me escreveu o seguinte: “Dados que se danem, eu sei que as mulheres são pouco estudadas e você não vai me convencer do contrário. As percepções superam os dados.”

Nos últimos dois anos, também aumentei meus esforços na ciência de AF para abordar alegações incorretas feitas sobre diferenças sexuais e preconceito de gênero. Um desses esforços me fez voltar à posição do artigo do ACSM. Enquanto fazia minha própria pesquisa histórica sobre exercícios, descobri uma revisão histórica de vários anos atrás que continha a afirmação de que o “primeiro estudo de treinamento [de AF]” que “focou nas mulheres” na revista Research Quarterly (uma influente revista de cinesiologia) foi publicado em 1975. Eu tinha quase certeza de que essa afirmação era falsa. Para conferir, baixei todos os arquivos da revista. Entre 1930 e 1975, a Research Quarterly publicou 33 estudos de treinamento de exercícios somente para mulheres, totalizando 4.960 participantes do sexo feminino. A alegação era claramente falsa. Então, como essa descoberta me fez voltar à posição do artigo do ACSM? O pesquisador que fez a falsa alegação é o fundador do Comitê de Equidade em Saúde do ACSM e um dos autores do artigo com o posicionamento do ACSM.

Um revisor anônimo, que rejeitou um artigo no qual eu apresentei evidências de que outros fatores além da discriminação contra as mulheres (por exemplo, diferenças de interesses) provavelmente contribuem para menos participantes do sexo feminino do que do masculino na pesquisa científica do exercício, certa vez me escreveu o seguinte:

“Dados que se danem, eu sei que as mulheres são pouco estudadas e você não vai me convencer do contrário. As percepções superam os dados.”

Talvez esses revisores pensem que, ao construir barreiras não objetivas, eles interromperão essa jornada de pesquisa. Eles não vão. Rotas alternativas estão sempre disponíveis. Além disso, a correção do pensamento não objetivo é a fonte de combustível da jornada. Publiquei o artigo alguns meses depois.

 

Desça para se juntar à discussão


Isenção de responsabilidade: Este artigo é apenas para fins informativos e não substitui terapia, aconselhamento jurídico ou outra opinião profissional. Nunca desconsidere tais recomendações por causa deste artigo ou qualquer outra coisa que você tenha lido do Centro de Psicologia Masculina. As opiniões expressas aqui não necessariamente refletem ou são endossadas pelo Centro de Psicologia Masculina, e não podemos ser responsabilizados por essas opiniões. Leia nosso aviso completo aqui.


Like our articles?
Click here to subscribe to our FREE newsletter and be first
to hear about news, events, and publications.



Have you got something to say?
Check out our submissions page to find out how to write for us.


.

James Nuzzo

James L. Nuzzo, PhD, é Professor Adjunto Sênior, treinador certificado de força e condicionamento e ex-chefe de Pesquisa em Ciência do Exercício da Vitruvian. Você pode segui-lo no Twitter e saber mais sobre sua pesquisa visitando seu site.

Previous
Previous

Feel the fear – it might save someone’s life

Next
Next

Everyone around the world should celebrate men on International Men’s Day. An interview with Dr. Jerome Teelucksingh